segunda-feira, 18 de março de 2013

FILHO DIFERENTE?


Adriane Albuquerque Cirelli 

Em tempos ditos modernos ter um filho diferente sugere desespero e infelicidade para uma sociedade que visa à competição e o privilégio dos primeiros lugares. 
A família que vive a experiência de criar um filho portador de necessidades especiais experimenta o mais maravilhoso aprendizado do viver através de uma prática repensada e avaliada a cada anoitecer.   
Primeiramente a suspeita de que algo não caminha dentro dos padrões ditos normais gera a angústia do que está por vir. Depois vem a constatação acompanhada de uma sensação desafiadora de algo que já aconteceu e que poderá ou não ter suas sequelas amenizadas.  A fase inicial prevê uma confirmação de diagnósticos.
A comunidade participa em uma avalanche de sugestões profissionais, terapêuticas e até religiosas. Todos querem ser solidários enviando uma nova “receita”. O Brasil se torna pequeno e as crenças aparecem por todas as partes. 
Nos braços um filho que necessita de tudo o que o filho dos outros necessitam mais um longo caminho de muita dedicação, perseverança e fé. Para os pais que vivenciam uma prática religiosa, esse árduo caminho embora também apresente sofrimento, tem suas angústias amenizadas pelos olhos da fé. A angústia se biparte entre o que foi planejado e o que de fato se concretizou. A vida familiar precisa ser reorganizada a partir de decisões que envolvem as vidas pessoais, profissionais, financeiras, sociais e espirituais. O desejo do querer fazer ou querer buscar tudo o que o filho necessita muitas vezes esbarra em velhos conceitos, ou melhor, preconceitos.      
Conhece-se um novo mundo com novos ambientes, salas de fisioterapias, clínicas, consultórios de todos os tipos e um vasto número de profissionais. Conhecem-se pessoas maravilhosas, profissionais que antes você nem sabia que existiam passam a ser as pessoas mais importantes de sua vida. Profissionais que antes você tinha em alto conceito, agora mostram que ainda não entenderam nada de vida.
A cada fase você experimenta mais um aprendizado. O filho que um dia você pensou ser diferente aos poucos vai lhe mostrando que diferente deve ser a sua forma de encarar a vida, diferente devem ser algumas relações interpessoais, diferente deve ser a sua forma de curtir cada conquista. O filho lhe diz tudo sem usar palavras, caminha sem utilizar as pernas, enxerga além do que aparece. O filho que nunca fez um curso motivacional lhe motiva a vencer os maiores desafios.Com o crescimento desse filho, os desafios vão surgindo até que um dos maiores surge a sua frente. É o momento de iniciar a vida escolar e nesse momento você descobre que sua cidade não dispõe de uma vasta oferta de unidades educacionais, pelo menos não para seu filho. Você precisa encontrar uma escola que partilhe com você a angústia do não saber como fazer. É preciso acreditar, tentar e amar. As respostas virão e com elas os novos desafios. Foi assim com você e com todos os profissionais que lidaram com seu filho até hoje. De uma coisa, você tem a certeza, seu filho pode não ter conteúdo, mas tem uma vasta experiência sobre o que é essencial para o viver.
Novamente você reformula seu conceito de escola, afinal o que é educar senão crescer com as diferenças? Ou ainda será que a melhor escola é a que possui o prédio mais bonito? As escolas conteudistas rebatem o desafio com a falsa ideia de que “ele não aprende”. Sentam na pilha de conteúdos importantes para a educação do indivíduo e dão as costas para a educação para a vida. Como não aprende, se aprendeu andar com fisioterapia, se aprendeu a comer com terapia ocupacional, se aprendeu a falar com fonoaudióloga? Como não aprende se já enfrentou inúmeras internações, vários procedimentos invasivos e dolorosos, quando não centros cirúrgicos? O desafio da inclusão é um desafio de parceria escola, família e equipe multidisciplinar.
A resposta é dada individualmente por cada incluído, mas como resultado de uma vasta ação profissional, familiar e acima de tudo AFETIVA.O filho amado precisa ser um paciente amado e um aluno amado. Como uma professora que tem medo de injeção pode dizer que um aluno portador de necessidades educativas especiais não aprende? Será que ela aprendeu? E se aprendeu, para que serve o que aprendeu? Como uma pessoa pode ser educadora se foge da diferença? Mantém-se a sua prática repetida anos e anos de acordo com uma faixa etária cronológica que a de 2002 não é a mesma de 2001?
Incluir não é nada fácil. Incluir é repartir com os pais a angústia do querer fazer e não saber como. Incluir é valorizar a vida, o essencial. Diferente deve ser cada amanhecer, cada dia, cada tentativa. Receitas prontas e solidificadas há anos não animam aqueles que fazem de cada passo, o início de uma nova caminhada.O incluído pode não saber em que dia foi proclamada a independência do Brasil, mas sem dúvida, sabe melhor que qualquer um de nós, os passos para a verdadeira independência! 


Publicada em 26/09/2002 Adriane Albuquerque Cirelli - Pedagoga, Psicopedagoga Clínica e Hospitalar, responsável pela implantação da Psicopedagogia no Hospital de Base de São José do Rio Preto - SP 
        
          Ao ler este artigo senti que estava sendo direcionado a mim e ao meu marido. Esta psicopedagoga parecia nos conhecer e tudo que escreveu dizia respeito ao que sentíamos ou passamos exceto a parte da fala, pois nosso filho ainda não aprendeu a falar, porque não recebeu atendimento adequado as suas necessidades.

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