quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Nossa história com o Autismo


Juraci Reis

Todos os dias nascem milhares de crianças em todo mundo. Pertinho de nós, como nascem crianças de todas as cores e raças! Muitas têm a glória de nascerem num lar de amor, muitas em lares luxuosos e nem tanto aconchegante. Outros num ambiente hostil e de desarmonia.
Somente a Deus compete a empreitada de encarregar-se de nossas vidas. E foi Ele que nos enviou seis dessas crianças com a responsabilidade de cuidar e encaminhar pela trilha do amor. Juntos, estamos sempre tropeçando aqui e ali, tentando de todas as formas não decepcionar Àquele que os confiou a nós.
Magno, como o chamamos, é mais que especial. Ele veio trazer luz as nossas vidas, dando-nos a oportunidade de sermos melhor ser humano a cada dia. E vivemos um de cada vez.
Ao recebê-lo, pensamos que fosse cego e surdo, pois a nenhum estímulo respondia positivamente. Não demonstrando qualquer integração ao meio, aos três anos, ele não falava, não andava, nem acompanhava objetos com os olhos.
Iniciamos mais que depressa a busca dos porquês. Antes de recebermos as informações inquiridas, descortinou aos nossos olhos o que o pediatra havia nos falado: “Todos os nossos sentidos precisam de estímulos para desenvolver-se e até agora ele não os recebeu. Ele não aprendeu a ver e nem ouvir. E tem mais. Dará muito trabalho a medida que isso acontecer”. Jamais poderíamos imaginar que alguém tivesse que aprender a ver e ouvir. Nunca sequer tinha escutado coisa parecida.
 Passados dois meses, Magno nos ouviu pela primeira vez. Com seis meses de convivência, acompanhou também pela primeira vez, uma latinha que deixou cair ao brincar mordendo as bordas, e que rolou da cama onde estava até bater no chão e sumir atrás de um móvel. Foi com alegria incontida que o vi descer e pegar a latinha, retornando a cama e retomando a atividade repetitiva de morder nas bordas da latinha.
Talvez outra mãe que não vivesse esta experiência, a me ver pular de alegria e comemorar este feito, me chamasse de louca ou tola. Talvez até fosse mesmo! Pois nós pais na maioria das vezes estamos tão atrapalhadas, cheios de tarefas a cumprir que esquecemos de comemorar os feitos dos filhos e até achamos sem graça alguma coisa que façam, ou sem modos outras, 'e na verdade nada mais que vitalidade e energia de sobra. Ah, quantos pais dariam a própria vida para que seu filho tivesse a mesma energia! E pulariam... e gritariam junto com ele!
Foi nesta época que ouvimos o diagnóstico de uma neuropediatra: seu filho é autista.
Autista! Que bicho é esse!?
Sabíamos que algo diferente estava para acontecer. Não aceitamos o diagnóstico dos médicos: “Mãe, seu filho é deficiente mental.” Tínhamos que descobrir que deficiência era esta. E quando descobrimos... Fazer o que? Como começar? Aonde procurar informações, ajuda e apoio? Nem os profissionais da saúde sabiam o que era o autismo para nos ajudar!
Começou mais uma saga em nossas vidas, visto que já vivíamos complicadas experiências com outros filhos que também eram diferentes e ainda estudávamos cada caso sem que as respostas fossem favoráveis às nossas indagações e expectativas.
Iniciaram-se idas e vindas a hospitais e consultórios médicos, a fisioterapia, pois também havia nascido com um defeito nas pernas (pés equinos). O tratamento adequado veio mais por indicação de pessoas que necessitaram do mesmo atendimento, do que de profissionais de saúde. Com dificuldades conseguimos chegar ao Hospital Jesus, indicativo de um deficiente físico amigo nosso. Mais tarde, também indicado por um casal amigo e pai de um autista, chegamos também ao Instituto Fernandes Figueira. Nossas barreiras iam muito além da nossa ignorância. Nada conhecíamos sobre o autismo, a não ser por filme. As tentativas eram frustrantes, por que nenhuma informação de como cuidar dele a gente recebia. Quando uma mãe gera em seu ventre uma criança com deformidade, ela pelo próprio cuidado com o ser tão indefeso aprende a encontrar as melhores soluções para atender as necessidades do filho. Mas, no nosso caso não houve tempo para esse aprendizado. Foi quando fomos informados de que um grupo de pais fazia encontros mensais na sala da assistência social do IFF e estaria acontecendo um encontro naquele momento. Resolvemos participar. Entramos meio tímidos, sem nenhuma afinidade com o assunto ou com as pessoas ali presentes. Fomos recebidos com o carinho tão peculiar na figura da tão amiga de nossos corações e então voluntária na área de fonoaudiologia, Mônica Accioli. A partir desse encontro nos sentimos mais fortalecidos pelo contato com outras famílias e suas vivências, passando a não nos sentirmos sozinhos na busca de novos caminhos.
Toda família teria muito mais facilidade em educar seus filhos autistas, se o poder público fizesse a parte dele, cumprindo com a obrigatoriedade prevista em lei que garante o atendimento especializado as crianças com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. O índice de autismo é cinco vezes maior que da síndrome de down e até hoje, os poucos profissionais que existem no Brasil para atendimento ao autista são produtos de iniciativas dos grupos de pais.
Nossa família é composta oficialmente de oito pessoas e está chegando devagarzinho mais um. Somos da cidade de Mendes, interior do estado do Rio de Janeiro, atualmente residindo em São Pedro da Aldeia, para onde viemos em busca das águas no trabalho de nosso filho com autismo.
Nossa história se baseia em fatos reais de lutas, alegrias e decepções como qualquer outra família. O que nos difere de algumas e nos iguala a outras tantas é o fato de sermos pais de indivíduos com necessidades especiais. Talvez seja a vontade de ver dar certo, uma sociedade tão bonita como a desse país, que nos move e nos dá forças para continuar na luta, mesmo diante de adversidades. Nosso povo é hospitaleiro, solidário, participativo... Mesmo assim há tantos com fome e outros tantos sem escolas ou atendimentos em hospitais. E por quê? Qual o problema? Ah, se cada um fizesse a parte que lhe cabe! Quanta coisa seria diferente! Mas nunca é tarde para começar.
 Alguns velhos sonhos nós aposentamos, estavam ultrapassados, outros realizamos ou simplesmente renovamos e hoje estamos iniciando outro sonho. E como disse um poeta: “A realidade de hoje foi o sonho de ontem. O sonho de hoje será a realidade de amanhã. E em todas as épocas zombou-se dos sonhadores”. Continuemos, pois, sonhando...

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