Temple Grandin fala em entrevista exclusiva para a Revista Autismo |
Edições - Edição 3 |
Escrito por Carolina Rafols, dos EUA |
Sex, 21 de Dezembro de 2012 12:01 |
Por Carolina Rafols,
dos Estados Unidos
Revisão da tradução para o português:
Wilson Langeani Filho Temple Grandin é uma fonte de inspiração para inúmeras famílias e profissionais ao redor do mundo. Atualmente ela é a mais bem sucedida e célebre profissional norte-americana com autismo, altamente respeitada no segmento de manejo pecuário. A dra. Grandin se tornou uma proeminente autora e palestrante sobre o tema autismo porque ela é uma prova viva de que as características de autismo podem ser modificadas e controladas (in Emergence: Labeled Autistic).
Bacharel pelo Franklin Pierce College e
com mestrado em Ciência Animal na Universidade Estadual do Arizona, é
Ph.D. em Ciência Animal, desde 1989, pela Universidade de Illinois. Hoje
ministra cursos na Universidade Estadual do Colorado sobre
comportamento de rebanhos e projetos de instalação, além de prestar
consultoria para a industria pecuária em manejo, instalações e cuidado
de animais. Já apareceu em diversos programas de televisão [dos Estados
Unidos], como 20/20, 48 Hours, CNN Larry King Live, PrimeTime Live,
Today Show, e muitos outros em diversos países, também já foi destaque
em publicações como a revista People, New York Times, Forbes, U.S. News
and World Report, revista Time, o New York Times Book Review e a revista
Discover. Em 2010 foi nomeada pela revista Time como uma das 100
pessoas mais influentes. A Rádio Nacional dos Estados Unidos transmitiu
entrevistas com a dra. Grandin. Ela já escreveu mais de 400 artigos
publicados em revistas científicas e periódicos especializados, tantando
de manejo de rebanho, instalações e cuidados dos animais. É autora dos livros: Thinking in Pictures,
Livestock Handling and Transport, Genetics and the Behavior of Domestic
Animals e Humane Livestock Handling. Seus livros Animals in Translation
(lançado no Brasil com o título "Na Língua dos Bichos") e Animals Make Us Human (no Brasil: "O Bem-Estar dos Animais")
estão na lista dos best sellers do New York Times, sendo que este
último também consta na lista dos best sellers do Canadá. Entre os
livros da dra. Grandin que tratam do tema autismo, o mais vendido
atualmente é The Way I See It: A personal Look at Autism and
Asperger's, também são de sua autoria Unwritten Rules of Social
Relantionships e Emergence: Labeled Autistic — [também escreveu uma
auto-biografia, lançada no Brasil em 2009 com o título: "Uma Menina Estranha"] (veja seus livros no site em inglês).
A história de sua vida virou também um filme da HBO, Temple Grandin, estrelando Claire Danes. O filme mostra sua vida durante a adolescência e o inicio da sua carreira.
Em abril, Temple Grandin lançou um novo
livro "Different...not Less." Inspirador e informativo, o livro fala
sobre formas de melhorar a vida das pessoas com autismo, síndrome de
Asperger, e TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade).
Ele segue a vida de adultos, muitos diagnosticados tardiamente, e
explica como eles se conheceram, seus desafios e tornaram-se pessoas de
sucesso!
Segue a entrevista exclusiva para a
Revista Autismo, em que Temple Grandin responde a perguntas sobre a
importância da intervenção precoce, bons mentores, agressão, e muito
mais.
REVISTA AUTISMO:
Em muitas entrevistas você menciona a importância de "bons mentores" e
"desenvolver os pontos fortes das crianças". Você pode esclarecer essas
duas idéias?
Temple Grandin: Na
escola era motivo constante de chacota e vivia triste. O único refúgio
longe das provocações eram atividades práticas como passeios a cavalo e o
laboratório de eletrônica. As crianças que gostavam dessas atividades
não me importunavam. Essas atividades eram os refúgios das provocações.
Mamãe foi capaz de me ensinar a cumprir horários e ter boas maneiras,
mas ela não foi capaz de me obrigar a estudar. Não me senti motivada a
estudar até ter uma razão para isso. Quando estava na escola eu não via
sentido em estudar. Existiam certos tópicos em que ganhava nota máxima,
como em biologia; e outros assuntos como inglês e história nos quais eu
não tinha interesse.
Meu professor de ciências, sr. Carlock,
foi peça-chave em me motivar a estudar. Depois de retornar da fazenda
dos meus tios, fiquei fascinada pelo tronco de gado. O tronco é um
mecanismo para conter e imobilizar os animais para vacinação. Consiste
num compartimento de metal com painéis que comprimem o animal de ambos
os lados do corpo. Ao observar o gado passando pelo tronco, notei que,
algumas vezes, os animais relaxavam quando a pressão dos painéis
laterais era aplicada sobre seus corpos.
Sofrendo constantes ataques de pânico,
resolvi experimentar o aparelho de pressão. Descobri que a compressão
aplicada pelo tronco aliviava minha ansiedade e o meu nervosismo.
Infelizmente, muitos dos meus terapeutas e médicos consideraram estranho
usar um tronco de gado. Depois que construí um aparelho de pressão
semelhante ao tronco para me acalmar todos quiseram tirá-lo de mim.
Imediatamente me fixei nisso e fiquei motivada a provar que o efeito
relaxante era real.
O sr. Carlock viu nisso uma
oportunidade para me motivar ao estudo. Ele me falou que era para
descobrir por que a pressão tinha um efeito relaxante, então eu tinha
que estudar ciências. No meu último ano de escola eu rapidamente
melhorei minhas notas baixas em inglês e história pois vi que devia
passar nessas matérias se quisesse ir para a faculdade e tornar-me uma
cientista. O sr. Carlock direcionou a tremenda aptidão autista da
fixação e usou isto para motivar um estudo acadêmico.
Nunca esquecerei a ida à biblioteca
acadêmica com o sr. Carlock. Nessa ocasião eu aprendi que os verdadeiros
cientistas lêem artigos periódicos publicados em revistas científicas.
Eu não sabia o que era uma revista científica. No começo dos anos 60,
acompanhar revistas científicas era difícil. As revistas de psicologia
eram indexadas em grandes livros contendo o resumo dos artigos. Como as
copiadoras não estavam disponíveis, cada resumo que você quisesse
arquivar tinha que ser copiado à mão num cartão index, e eu tinha todos
os cartões guardados numa caixa de arquivo. Para o final dos anos 60,
quando as copiadoras se tornaram prontamente disponíveis, fiquei em
êxtase quando pude copiar artigos inteiros, que eu ordenava
cuidadosamente em pastas de arquivo de folha soltas. A carreira
científica acadêmica é difícl, mas a minha tendência autista em fixação
[num assunto] me mantinha firme. Meu exemplo mostra claramente como um
professor criativo pode realmente transformar a vida de um aluno.
Adquirir habilidades úteis que possam
reverter numa carreira requer o direcionamento de um professor. Hoje
tenho observado que os indivíduos que seguem carreiras de sucesso, como
programação de computador, tiveram um mentor para ensiná-los. Requer
disciplina adquirir uma habilidade. Em áreas técnicas, eu observei que
são raras as crianças que vão aprender por conta própria a fazer
programações complexas de computador. Quando entregues aos seus próprios
equipamentos, elas tendem a se viciar em vídeo games e subutilizam os
computadores. Elas precisam de atribuições e orientação de um bom
professor para aprender habilidades profissionais relevantes. Em algumas
famílias, o pais fazem dos filhos aprendizes em suas próprias
profissões. Isso tem funcionado para muitas crianças no espectro [do
autismo].
REVISTA AUTISMO: Você
pode falar sobre a importância do diagnóstico precoce no sistema público
de saúde? E intervenção precoce no sistema público de saúde?
Temple Grandin:
Crianças pequenas de dois a cinco anos de idade sem fala ou
comportamentos repetitivos devem ter 20 ou mais horas por semana de
instrução individual com um professor que lhes ensine palavras, ensine "turn-taking"
[numa tradução livre, significa "esperar a vez", auto-controle, ter
atenção no outro para saber quando iniciar sua ação], e como engajar-se e
manter-se em atividades. O ensino educacional precoce vai ajudar a
criança a desenvolver-se a estágios superiores.
REVISTA AUTISMO: Qual é
o seu conselho aos pais de jovens adultos na porção inferior do
espectro que não obtiveram intervenção precoce por bons mentores?
Temple Grandin: Muitos
indíviduos de baixa funcionalidade apresentam severa desorganização
sensorial. Eles podem não ser capazes de tolerar um restaurante ou loja
barulhentos. Alguns indivíduos são sensíveis ao som e outros conseguem
ver a intermitência de luzes florescentes. Hiper estimulação causa dor e
isto pode levar a crises.
REVISTA AUTISMO: Qual é
o seu conselho para os pais ajudarem seus filhos adolescentes situados
no meio do espectro durante a transição para a idade adulta?
Temple Grandin: Todos
os indivíduos com autismo, na parte superior, inferior e no meio do
espectro precisam adquirir habilidades profissionais. Os adolescentes
enquanto ainda estão na escola devem realizar atividades como, por
exemplo, vender jornal, cuidar do lixo, ou jardinagem. Indivíduos na
porção superior do espectro devem começar a trabalhar em algo que se
encaixe na sua área de aptidões, como arte, fotografia, design gráfico,
programação de computadores, jornalismo, mecânica de automóveis, ou
vendas no varejo.
REVISTA AUTISMO: O que devem ter em mente os professores e profissionais quando tratam crianças de dois a oito anos de idade?
Temple Grandin:
Crianças com idade entre dois e oito anos precisam de muita instrução
individual. Desenvolver os pontos forte da criança. Se ela gosta de
arte, encoraje o desenho e pintura. Se ela gosta de matemática ou
escrever, você deve encorajar isso. Se a criança gosta de aviões ou
trens, use isso para ensinar leitura e matemática. A área de aptidão da
criança normalmente surge na idade de sete a nove anos.
REVISTA AUTISMO: Como o sistema de ensino pode apoiar melhor os alunos de ensino médio que estão na porção superior do espectro?
Temple Grandin:
Estudantes do ensino médio na extremidade superior do espectro precisam
adquirir habilidades profissionais antes de sair da escola. Algumas das
pessoas mais inteligentes do mundo tem autismo. Alguns exemplos são
Steve Jobs, da Apple, Einstein e Mozart. Crianças que são boas em
matemática podem aprender programação de computador, física ou
estatística. Os alunos precisam aprender a desempenhar tarefas que os
outros precisam. Desenvolver habillidades inatas na arte, matemática,
literatura ou música.
REVISTA AUTISMO: Qual é sua reflexão sobre a importância de uma conscientização em relação ao autismo ao redor do mundo?
Temple Grandin: É importante que as pessoas estejam conscientes sobre o autismo.
REVISTA AUTISMO: Como pais e profissionais podem lidar da melhor maneira com comportamento agressivo em adultos com autismo?
Temple Grandin: É
crucial considerar fatores biológicos contra fatores comportamentais.
Fatores biológicos podem incluir questões sensoriais ou dolorosos
problemas de saúde não revelados, como refluxos ácidos e dores de dente.
Ao considerar fatores comportamentais, pais e profissionais devem
procurar o que está causando tal comportamento: se é para chamar
atenção, rejeição de tarefas/fuga, ou comportamentos auto-estimulantes.
Quando me tornava agressiva, a TV me era
tirada por um dia. Também aprendi a controlar a agressão trocando a
raiva pelo choro. Provocações, bullying e xingamentos me fizeram infeliz
quando eu estava na escola.
REVISTA AUTISMO:
Você é uma inspiração para inúmeras famílias brasileiras. Que mensagem
você daria para as famílias que ainda estão sofrendo com a falta de
tratamento e intervenção precoce, devido à ausência de políticas que
protegem as pessoas com autismo em nosso país?
Temple Grandin: Esta é
uma questão difícil de responder. Para contribuir com a inclusão,
precisamos mostrar o que pessoas com autismo são realmente boas em
fazer. Uma habilidade é a memória incrível. Muitos indivíduos do
espectro autista seriam bons em lojas do varejo ou em armazéns, porque
eles podem se lembrar e ter informações de todos os produtos. Em uma
cidade, um homem autista memorizou a posição de toda a tubulação sob as
ruas. Ele poderia mostrar as equipes de construção o local correto para
escavar para evitar quebrar os canos.
REVISTA AUTISMO: Para encerrar, como as pessoas com autismo estão contribuindo para um mundo melhor?
Temple Grandin: As
pessoas com autismo contribuem para um mundo melhor porque pessoas na
porção superior do espectro do autismo inventaram muito em tecnologia e
nas artes. Eu estimo que metade das pessoas na indústria de computadores
tem autismo moderado. Eles são menos sociáveis, mas ganham na
habilidade do pensamento. O autismo é um traço contínuo que varia entre
Einstein e baixa funcionalidade, a genética é um fator preponderante na
causa do autismo.
Carolina Rafols
é mãe da Kayumi, além de ser terapeuta comportamental, mestre em
Educaçao com especializaçåo em Análise Aplicada do Comportamento pela
National University e graduada em Psicologia pela Cal State Northridge
University (ambas nos EUA). Desde de 2004, trabalha com crianças e
adolescents com autismo na Califórnia, EUA. Tem interesse em Pivotal
Response Training (PRT) e treinamento de pais e måes durante terapia
individual in-home. Voluntária na luta pelos direitos das pessoas com
autismo no Brasil e nos Estados Unidos.
Retirado na íntegra do site Revista Autismo, hoje dia da Coscientização do Autismo.
http://www.revistaautismo.com.br/edic-o-3/temple-grandin-fala-em-entrevista-exclusiva-para-a-revista-autismo
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