terça-feira, 29 de abril de 2014

Onde estamos quando estamos em sala de aula?

Juraci Reis

Pensemos numa turma, que em aula, precisa aprender um determinado conteúdo, e o professor presente, afoito com suas ideias bem planejadas, está equipado com todos os recursos necessários para dar uma excelente aula. Pois é, esse professor atento às diferenças em sala de aula pensou em tudo, ou melhor, em quase tudo. Somente pelo detalhe de que os alunos além de diferentes entre si, também apresentam diferenças em cada dia de aula, que vivenciam em seus dias fatos diferentes também. Pois bem, neste dia especial a classe vivenciaria uma das maiores guerras do tráfico já presenciado pelo contexto escolar. Assim sendo, de que maneira o profissional encararia este pormenor com sua aula bem preparada? E essa é a realidade de muitos professores e alunos brasileiros das grandes metrópoles.
Outro contexto também ilustrado aqui é o vivenciado recentemente na chacina dentro de um colégio, onde um ex-aluno que sofrera bullying quando estudou ali, volta completamente perturbado, em sua psique doente, para se vingar de uma sociedade que não perdoa as diferenças. O que será que os professores pensaram? De que forma atuaram naquele momento e como foram as aulas pós-trauma, em suas mentes? Onde estavam esses atores em momentos tão distintos e como se lida com questões tão complexas? E a cada dia se lida mais com elas! Certamente o único lugar que eles não gostariam de estar era naquela sala de aula. Mas estavam!
Em uma sociedade repleta, infelizmente, de violência de toda ordem, de problemas a serem resolvidos, emoções e conflitos sentidos, o difícil é prever onde cada indivíduo estará quando estiver em sala de aula.
Sabemos que o dia-a-dia de uma sala de aula é sempre incerto e demanda do educador um olhar diferenciado para cada acontecimento problemático decorrente do confronto entre as experiências vividas e os novos percursos que rompem com a ideia de fracasso e de exclusão de tantos alunos. Nessas aulas, o significado do aprendizado é relacionado a eles e daí, também sabemos que o conhecimento só se estabelece se motivado nas inter-relações entre os sujeitos no contexto em que vive. Dessa forma, para que haja uma apropriação desse conhecimento, é preciso criar um ambiente propício de aprendizagem, onde as informações sejam pertinentes e a interação valorizada.
Nesse ponto de vista, o professor deve ser um pesquisador da alma humana e como tal precisa questionar-se o tempo todo sobre sua prática, sendo, portanto, crítico de seu trabalho.
Desse modo, quando estivermos em sala de aula, local onde o aprendizado de cada um deve ser respeitado e as necessidades atendidas, indo muito além de conteúdos programáticos, teremos a  abordagem até mesmo daqueles ocultos, dos quais nem vemos, mas está lá, aguardando que a sensibilidade aguce e transcenda o farol da compreensão.
Decerto, como não somos máquinas e nem sempre nos colocamos em posição de recebimento de informações passivas, ainda mais quando nosso interlocutor não é ativo, o esforço que fazemos para o entendimento age de forma contrária na interação, ficando mesmo prejudicada ou quase nula, e acaba até por inutilizar qualquer tentativa de aprender. Ainda mais quando estamos em um lugar sem saber qual e para onde vão aqueles ao nosso redor.
João Batista Duarte Junior, no livro “O que é a realidade?”, nos elucida que “o homem não é um ser passivo, que apenas grava aquilo que se apresenta aos seus sentidos. Pelo contrário: o homem é o construtor do mundo, o edificador da realidade. Esta é construída, forjada no encontro incessantemente entre os sujeitos humanos e o mundo em que vivem”. (p. 12)
Assim, quando pensamos em uma sala de aula, nos vem à mente, um espaço de construção: de identidades; de conhecimentos; de cidadãos que busca serem conscientes não somente de seus deveres, mas também atuante no processo de garantia de direitos. Afinal é lá, na sala de aula, que paira as mais heterogêneas das relações culturais; componente que proporciona percepção do mundo a partir da experiência, e mesmo que nos falte a consciência disso, é muito enriquecedor nas nossas vidas.
Dessa forma, o atuar em sala de aula assume um papel investigativo, ético e crítico que exige que o professor tenha seriedade e estabeleça interações, capaz de possibilitar mudanças, e oportunizar condições aos alunos para expressar suas ideias e sentimentos.
Para isso é imprescindível levar em conta o sujeito concreto, diferente de qualquer outro, que mesmo em detrimento de tudo e todos, em qualquer circunstância vai demonstrar sentimentos, vai precisar de atenção e proteção.
E imperioso criar um ambiente onde os envolvidos possam demonstrar sua afetividade sem risco de violação de direitos, do qual o relacionamento entre alunos e professores, se dê naturalmente. Para isso a sala de aula precisa ser espaço de formação de fato, lugar onde se enfrenta os problemas decorrentes das diversidades, com ideal relevância, em um clima de respeito, ou seja, adequado à participação de todos da comunidade escolar.
Em outras palavras, afirmamos que podemos estar em qualquer lugar quando estamos em sala de aula, pois este é um espaço vivo. Nele, tem momentos de conflitos, mas também de intensa interação; tem lugar para sonhar e repensar valores; ambiente de criar e solucionar desafios; perspectivas de formação e de rompimento de conceitos conflituosos.
De posse dessa concepção, visando maior lucidez, entendemos que somente no diálogo estimularemos a vontade em todos de se empenhar na relação ensino-aprendizagem e juntos colaborar para a harmonização entre a afetividade e o instruir-se. Irrompendo, portanto, com a mecanicidade do dia a dia de uma sala de aula, aonde seus atores nem sempre sabem de onde vieram e tão pouco para onde vão. Então é imperioso se tecer um ambiente seguro, com respeito às diferenças, que colabore para o crescimento coletivo.


Fonte:
PANIZZI, Conceição Aparecida Fernandes Lima – ISEP, A RELAÇÃO AFETIVIDADE-APRENDIZAGEM NO COTIDIANO DA SALA DE AULA: ENFOCANDO SITUAÇÕES DE CONFLITO.
http://www.abed.org.br/congresso2005/por/pdf/164tcf3.pdf
MARTINS, João Carlos - Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desvendar o mundo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário