Adriane Albuquerque Cirelli
Em
tempos ditos modernos ter um filho diferente sugere desespero e infelicidade
para uma sociedade que visa à competição e o privilégio dos primeiros
lugares.
A
família que vive a experiência de criar um filho portador de necessidades
especiais experimenta o mais maravilhoso aprendizado do viver através de uma
prática repensada e avaliada a cada anoitecer.
Primeiramente
a suspeita de que algo não caminha dentro dos padrões ditos normais gera a
angústia do que está por vir. Depois vem a constatação acompanhada de uma
sensação desafiadora de algo que já aconteceu e que poderá ou não ter
suas sequelas amenizadas. A
fase inicial prevê uma confirmação de diagnósticos.
A
comunidade participa em uma avalanche de sugestões profissionais, terapêuticas
e até religiosas. Todos querem ser solidários enviando uma nova “receita”. O
Brasil se torna pequeno e as crenças aparecem por todas as partes.
Nos
braços um filho que necessita de tudo o que o filho dos outros necessitam mais
um longo caminho de muita dedicação, perseverança e fé. Para os pais que
vivenciam uma prática religiosa, esse árduo caminho embora também apresente
sofrimento, tem suas angústias amenizadas pelos olhos da fé. A angústia se
biparte entre o que foi planejado e o que de fato se concretizou. A vida
familiar precisa ser reorganizada a partir de decisões que envolvem as vidas
pessoais, profissionais, financeiras, sociais e espirituais. O desejo do querer
fazer ou querer buscar tudo o que o filho necessita muitas vezes esbarra em
velhos conceitos, ou melhor, preconceitos.
Conhece-se
um novo mundo com novos ambientes, salas de fisioterapias, clínicas,
consultórios de todos os tipos e um vasto número de profissionais. Conhecem-se
pessoas maravilhosas, profissionais que antes você nem sabia que existiam
passam a ser as pessoas mais importantes de sua vida. Profissionais que antes
você tinha em alto conceito, agora mostram que ainda não entenderam nada de vida.
A
cada fase você experimenta mais um aprendizado. O filho que um dia você pensou
ser diferente aos poucos vai lhe mostrando que diferente deve ser a sua forma
de encarar a vida, diferente devem ser algumas relações interpessoais,
diferente deve ser a sua forma de curtir cada conquista. O filho lhe diz tudo
sem usar palavras, caminha sem utilizar as pernas, enxerga além do que aparece.
O filho que nunca fez um curso motivacional lhe motiva a vencer os maiores
desafios.Com o crescimento desse filho, os desafios vão surgindo até que um dos
maiores surge a sua frente. É o momento de iniciar a vida escolar e nesse
momento você descobre que sua cidade não dispõe de uma vasta oferta de unidades
educacionais, pelo menos não para seu filho. Você precisa encontrar uma escola
que partilhe com você a angústia do não saber como fazer. É preciso acreditar,
tentar e amar. As respostas virão e com elas os novos desafios.
Foi assim com você e com todos os profissionais que lidaram com seu filho até
hoje. De uma coisa, você tem a certeza, seu filho pode não ter conteúdo, mas
tem uma vasta experiência sobre o que é essencial para o viver.
Novamente
você reformula seu conceito de escola, afinal o que é educar senão crescer com
as diferenças? Ou ainda será que a melhor escola é a que possui o prédio mais
bonito? As escolas conteudistas rebatem o desafio com a falsa ideia de que “ele
não aprende”. Sentam na pilha de conteúdos importantes para a educação do
indivíduo e dão as costas para a educação para a vida. Como não aprende, se
aprendeu andar com fisioterapia, se aprendeu a comer com terapia ocupacional,
se aprendeu a falar com fonoaudióloga? Como não aprende se já enfrentou
inúmeras internações, vários procedimentos invasivos e dolorosos, quando não
centros cirúrgicos? O desafio da inclusão é um desafio de parceria escola,
família e equipe multidisciplinar.
A
resposta é dada individualmente por cada incluído, mas como resultado de uma
vasta ação profissional, familiar e acima de tudo AFETIVA.O filho amado precisa
ser um paciente amado e um aluno amado. Como uma professora que tem medo de
injeção pode dizer que um aluno portador de necessidades educativas especiais
não aprende? Será que ela aprendeu? E se aprendeu, para que serve o que
aprendeu? Como uma pessoa pode ser educadora se foge da diferença? Mantém-se a
sua prática repetida anos e anos de acordo com uma faixa etária cronológica que
a de 2002 não é a mesma de 2001?
Incluir
não é nada fácil. Incluir é repartir com os pais a angústia do querer fazer e
não saber como. Incluir é valorizar a vida, o essencial. Diferente deve ser
cada amanhecer, cada dia, cada tentativa. Receitas prontas e solidificadas há
anos não animam aqueles que fazem de cada passo, o início de uma nova
caminhada.O incluído pode não saber em que dia foi proclamada a independência
do Brasil, mas sem dúvida, sabe melhor que qualquer um de nós, os passos para a
verdadeira independência!
Publicada em 26/09/2002
Adriane Albuquerque Cirelli - Pedagoga, Psicopedagoga Clínica e Hospitalar,
responsável pela implantação da Psicopedagogia no Hospital de Base de São José
do Rio Preto - SP
Ao ler este artigo senti que estava
sendo direcionado a mim e ao meu marido. Esta psicopedagoga parecia nos
conhecer e tudo que escreveu dizia respeito ao que sentíamos ou passamos exceto
a parte da fala, pois nosso filho ainda não aprendeu a falar, porque não
recebeu atendimento adequado as suas necessidades.